sexta-feira, 22 de junho de 2012

Em defesa da ciência e tecnologia: O porquê de investir em certas pesquisas.

[Texto publicado no blog da Liga Humanista Secular do Brasil - Bule Voador]

A ciência não é, seguramente, uma panacéia. Por outro lado, tão pouco é indiferente com as necessidades humanas. Entretanto, em algumas áreas de pesquisa, sobretudo aquelas com menor conseqüência prática em curto prazo, sofrem, seguidamente, críticas que concernem à necessidade real de investir tempo e dinheiro.
          Argumentos rasteiros do tipo “o que querem esses cientistas estudando Marte? Temos problemas muito piores como o câncer para serem estudados”, ou “eles estão querendo brincar de Deus, devemos impedir investimentos com essas pesquisas”, são comuns de serem encontrados. No primeiro caso, a sentença é notavelmente falaciosa ao ignorar que a pesquisa do câncer recebe atenção exaustiva por parte de pesquisadores. Também não ponderam que a ciência é um conjunto de varias áreas, e, sendo assim, um acadêmico com formação em astrofísica não tem habilidades práticas para estudar técnicas modernas de cura de doenças complexas, e vice-versa (no sentido da ciência formal: pesquisar, resolver problemas e publicar trabalhos. Isso não significa que ele não possa ser bem informado e ainda ter opiniões que possam ajudar outras áreas. Exemplo dessa incrível versatilidade foi Erwin Schrodinger, que, sendo físico teórico, formulou hipóteses que anos mais tarde ajudariam na descoberta da estrutura do DNA). Já os defensores da segunda afirmação desconhecem o mecanismo da metodologia científica, que, por definição, não se preocupa com a atuação divina.

Muitas vezes algumas pessoas atacam as pesquisas cientificas através do argumento financeiro. Não reconhecem, entretanto, que as verbas destinadas a esta atividade não são elevadas. O país que mais investe seu PIB em ciência é a Suécia, e o valor não chega a 4%. Menos de 25% dessa quantia é custeada pelo governo; o restante é financiado por empresas privadas (1). No Brasil a situação é ainda mais dramática; em 2010 o nosso país investiu menos de 1,2% de seu PIB em ciência e tecnologia (2).

 Uma interessante comparação pode ser feita com o investimento bélico. Por exemplo, na guerra do Iraque, os Estados Unidos tiveram um gasto mensal de mais de 11 bilhões de dólares (3); além disso, para conduzir a guerra, o mínimo estimado, em média, por mês, foi de 6 bilhões de dólares (4). O telescópio James Webb, sucessor do Hubble, foi estimado em 8,7 bilhões dólares (5). Em outras palavras, um mês de investimento em guerra é quase o suficiente para pagar um dos projetos científicos mais ambiciosos na história da astronomia. Sem entrar em mérito da agenda política dos governos, parece que a questão não é tanto o pouco dinheiro, mas sim como é realizada essa distribuição. O argumento, dito por muitos, que projetos como esse são um desperdício, uma vez que o mundo ainda tem severos problemas, como a fome, acaba perdendo forças. Nesse sentido, a guerra é um dos grandes agentes causadores da fome do planeta (6), e não o investimento em ciência e tecnologia. Ademais, atualmente o gasto global com despesas militares é 55 vezes maior que o gasto com as despesas dos programas espaciais de todos os países do mundo (7). Assim, nota-se que não estamos investindo quantias absurdas em desenvolvimento científico.

Outro conhecido argumento critica os investimentos elevados do programa espacial americano (NASA). Infelizmente, muitas vezes são expressos somente os números absolutos, que, aparentemente, podem parecer alto. Entretanto, o investimento em 2011 foi somente de 0,53% do orçamento do governo (8). Além disso, não somente a NASA, mas toda pesquisa da astronomia resulta em benefícios variados. Incentiva a curiosidade, o que fazer surgir novos talentos na área das ciências e tecnologia e emprega milhares de pessoas. Enganam-se aqueles que defendem a ideia de que isso não traz conseqüências práticas. Considerando somente os últimos meses, diversas matérias, relacionadas diretamente com a astronomia, têm aparecido: através de estudos de buracos negros, surgiu a possibilidade de um método mais seguro e mais efetivo de radioterapia com o uso de elétrons de baixa energia (cura do câncer) (9); uma biocápsula – feita de nanotubos de carbono – que pode diagnosticar e tratar imediatamente a pessoa (10); estudando uma das maiores tempestades solares dos últimos anos, somos capazes de planejar rotas de vôos mais seguras, uma vez que a tempestade pode gerar distúrbios em sistemas de comunicação na Terra (11).
             O estudo do cosmos nos mostra, humildemente, nossa posição não privilegiada no universo: revela ainda mais a urgência de cuidar de nosso "pálido ponto azul"; entre outras coisas, foi estudando Vênus que descobrimos que se não formos capazes de contornar o efeito estufa nosso planeta poderá ser extinto rapidamente.

              Não aproveitamos os benefícios somente da pesquisa derivado do mundo macro. Conhecer os mecanismos da física básica tem permitido, por exemplo, a criar pele artificial que fornecerá sensibilidade a uma geração futura de robôs. Isso graças ao efeito do tunelamento quântico, que, como hoje é bem sabido, é um dos fatores responsáveis pela fusão nuclear que ocorre no Sol (12). Similar a isso, em uma aplicação direta para os seres humanos, foi possível criar um material de pele artificial com sensibilidade semelhante à da pele humana a partir de nanofios semicondutores (13). Em outra recente fantástica novidade da escala nanométrica, pesquisadores desenvolveram nanorrobôs capazes de destruir células cancerígenas (14).

           Nos últimos anos, têm sido dada maior atenção pela busca por vida extraterrestre com enfoque nos microorganismos existentes na própria Terra, os chamados extremófilos. Aqui, as críticas também são intensas. Entretanto, as pesquisas dos organismos microscópios têm mostrado resultados notáveis, que vai além dos interesses dos astrobiólogos por possibilidade de vida extraterrestre. As enzimas obtidas a partir desses organismos extremófilos têm encontrado aplicações variadas, das quais se destacam: produção de detergentes, de biocatalisadores, de biosensores, na degradação de materiais poluentes e produção de antibióticos (15).

       Os campos de pesquisa nitidamente de ciência básica não são menos importantes. Os estudos da origem da vida, além de satisfazer a necessidade humana por buscar as respostas mais profundas sobre a nossa existência, também revelam a possibilidade de encontrar utilidade prática na pesquisa biomédica (16). Com a derrubada da biogênese, a humanidade pôde mudar seu estilo de vida. Começamos a se preocupar mais com a assepsia nos hospitais, limpeza dos alimentos, higiene, ter cuidado com roupas e tratamento de água. Em última instância, aumentou longevidade da humanidade. Até a indústria de enlatados certamente encontrou uma possibilidade de se tornar realidade por causa dessas pesquisas.

           Considerando o desejo por respostas, intrínseco ao ser humano, a atividade científica permite a possibilidade de responder, através de um escrutínio minucioso, algumas das perguntas mais fascinantes da nossa existência. Entretanto, poderíamos até mesmo desconsiderar esse fator, já que outras atividades humanas podem fazer algo semelhante às nossas necessidades de respostas. Todavia, o investimento na ciência é suficientemente justificado através das conseqüências práticas para a sociedade. A ciência, portanto, se mostra capaz de resolver problemas, advinda do conhecimento funcional, que é um dos fatores que caracteriza essa atividade humana (17).

Por fim, termino o post com um interessante pronunciamento do físico Stephen Hawking, realizado em comemoração aos 50 anos da NASA (18):

´´Ir para o espaço certamente não vai ser barato, mas exigirá só uma pequena proporção dos recursos mundiais. O orçamento da NASA permaneceu grosso modo constante em termos reais desde a época dos pousos da Apollo, mas decresceu de 0,3% do PIB dos Estados Unidos em 1970 para 0,12% hoje. Mesmo que aumentássemos vinte vezes o montante gasto em empreendimentos espaciais internacionalmente, isso seria apenas uma pequena fração do PIB mundial.
Haverá quem argumente que seria melhor gastarmos nosso dinheiro resolvendo os problemas deste planeta, como a mudança climática e a poluição, em vez de desperdiçá-lo em uma busca possivelmente infrutífera por um novo planeta. Não estou negando a importância de combater a mudança climática, mas podemos fazer isso e ainda poupar um quarto de 1% do PIB mundial para o espaço. Nosso futuro não vale um quarto de 1%?``

















(17)           http://bulevoador.com.br/2010/03/9251/






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