quarta-feira, 22 de maio de 2013

Filosofia da ciência nas ciências

[Uma versão mais ampla do texto foi publicada no blog da Liga Humanista Secular do Brasil - Bule Voador]
Thomas Kuhn, filósofo da ciência formado em física pela Universidade de Harvard.
Dentre suas obras destaca-se "A revolução copernicana" e "Estrutura das Revoluções Científicas".
                Não raro encontra-se certo desprezo de cientistas, ou futuros cientistas, pela filosofia. "Filosofia não serve para nada", dizem alguns.
                Uma postura dessas revela vários desconhecimentos sobre o que é e para que serve filosofia. Nesse momento pretendo restringir-me somente a filosofia da ciência. A indiferença, ou no pior nos casos o desprezo, denuncia pelo menos dois aspectos: um desconhecimento histórico de como a ciência evoluiu e uma pretensão que não cabe aos cientistas.  
                Com relação a primeira, é curioso destacar que no passado o que hoje chamamos formalmente de ciências era nomeado de Filosofia Natural. Não por acaso, portanto, que o termo PhD - que se mantém até hoje -, significa, no Latim Philosophiae Doctor (Doutor em Filosofia). Costumo dizer que é um parricídio intelectual negar a colaboração histórica da filosofia para com a ciência; é assassinar os próprios pais. Para alguns, é não reconhecer a legitimidade de seus progenitores: um ato de atear fogo em sua própria casa. Já ao segundo equivale a uma postura endeusada da ciência que muitos tomam em um discurso totalmente acrítico. Se fossem capazes de reconhecer a importância da filosofia da ciência evitariam equívocos cientificistas (1); esses que são responsáveis por alegações pretensiosas de negarem a legitimidade de outras investigações não-científicas (como a literatura, a poesia e a arte em geral - ou ainda a ética, uma outra área da filosofia). Ou pior, são pessoas que podem se espelhar(*)em Stephen Hawkings que, embora um excepcional cientista, chegou a dizer que a filosofia estava morta (2). Hawkings, talvez, não está atualizado, ou despreza completamente autores como Steven Pinker, Daniel Dannett, Sam Harris e Michael Shermer.  Além desses, precisa, urgentemente, ler Susan Haack.
                Como pode ser destacado dos textos da filósofa supracitada e de outros, como Thomas Kuhn, os cientistas muitas vezes não precisam e nem possuem tempo para alocar a uma atividade filosófica. Assim, não estou sugerindo a obrigatoriedade de leituras filosóficas nos cursos científicos. Minha observação é antes algo mais basilar, embora preocupante. Trata-se de um desprezo, que, nesse caso, é mais pernicioso que a indiferença. Enquanto a última representa uma apatia aos textos filosóficos, a primeira transcende isso. O repúdio e o preconceito pela filosofia é um prejuízo no sentido de ignorar uma estrutura na qual benefício mútuo pode ser adquirido. Nesse sentido, a leitura Kuhniana ajuda-nos (3):  
'Não é por acaso que a emergência da física newtoniana no século XVII e da relatividade e da mecânica quântica no século XX foram precedidas e acompanhadas por análises filosóficas fundamentais da tradição de pesquisa contemporânea. Nem é acidental o fato que em ambos os períodos a chamada experiência de pensamento ter desempenhado um papel tão crítico no progresso da pesquisa. Como mostrei em outros lugares, a experiência de pensamento analítica que é tão importante nos escritos de Galileu, Einstein, Bohr e outros é perfeitamente calculada para expor o antigo paradigma ao conhecimento existente, de tal forma que a raiz da crise seja isolada com clareza impossível de obter-se no laboratório. '

                Outro exemplo: a publicação da obra do filósofo empirista David Hume intitulada "Diálogos sobre a religião natural" (4). Baseada parcialmente na obra “De Natura Deorum” (do filósofo romano Marcus Tullius Cicero), o filósofo escocês antecipa em 80 anos as conclusões da comunidade científica acerca do mito de criação das espécies. A evolução por seleção natural, descoberta por Charles Darwin e Alfred Wallace, junto com as elucubrações de Hume evidenciam que a filosofia não é, necessariamente, uma atividade distinta da ciência. Embora seja comum que ambas façam uso de métodos diferentes, encontra-se  muito interesse comum em ambas atividades.
                Ignorar avidamente, bem como promover escárnio relativo ao trabalho afanosamente realizado por filósofos durantes séculos é um atentado intelectual com consequências danosas ao compromisso da busca pelo conhecimento honesto.


(*)Certa vez em um debate meu interlocutor não conseguia entender o motivo pelo qual a revista Scientific American trazia em uma de suas edições uma capa dedicada aos erros históricos dos cientistas. “Cientistas não erram, eles têm certeza” dizia ele. Pior ainda, alegava que o ato de crer não poderia existir na atividade científica. Após uma breve exposição minha que ele estava, talvez, confundindo que nem toda crença é uma fé, mas toda fé é um crença, ainda assim não percebia que crer é dar crédito a algo; a ciência é uma atividade humana, e, portanto, incorre a erros e está subjugada a crenças também.

Referências

[Texto traduzido para o português (por Eli Veira):  http://lihs.org.br/artigos/Haack_Seis_Sinais_de_Cientificismo_LiHS_2012.pdf]





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