sexta-feira, 7 de junho de 2013

Lógica e argumentação

 [Texto publicado no blog da Liga Humanista Secular do Brasil - Bule Voador]

 Parece ser intenção inerente aos seres humanos a adesão ao que é verdadeiro e rejeição do que é falso. Essa alegação encontra suporte desde a filosofia grega: Aristóteles (384 – 322 A.C.), em seu livro Metafísica, já sublinhava o desejo de conhecer como algo natural de todos os homens. Em uma das versões clássicas, e provavelmente a mais aceita, sobre o conceito de conhecimento, Platão o definia como crença verdadeira e justificada. Além disso, não apenas a crença verdadeira é vista como uma busca pertinaz; igualmente o compartilhamento e o convencimento dos outros parece ser algo notável no comportamento humano. Não obstante,por motivos diversos, o uso do procedimento argumentativo pode ser um recurso valioso no exame daquilo que se tem como verdadeiro. Nesse sentido, uma possível maneira de definir o objetivo da lógica é estudar e sistematizar a validade ou invalidade da argumentação, além de proporcionar o estudo da inferência.
O estudo da lógica não se faz necessariamente apenas na filosofia, e mesmo quando se tratando dessa há vários tipos de lógicas dos quais os filósofos têm se dedicado ao longo dos séculos. Uma divisão aceitável é separar os argumentos entre dedutivos e não dedutivos [1]. No caso dos últimos, podem estar inclusas as generalizações e previsões, também chamadas de induções. Grosso modo, os argumentos dessa classe são caracterizados basicamente como intensidade que suportarem as conclusões a partir de premissas como prováveis, ou provavelmente verdadeiras. Vejamos o clássico exemplo de John Vickers:

Todos os cisnes vistos até hoje são brancos. (1)
Portanto, todos os cisnes são brancos. (2)

A conclusão (2) é claramente uma generalização da premissa (1). Vale destacar que nesse caso temos um problema em definir quantas observações são necessárias para concluir (2). Historicamente, o problema da indução foi muito debatido na filosofia da ciência. À parte disso, fica evidente uma construção típica que é comum com os argumentos dedutivos. Trata-se da existência de sentenças ou asserções (no exemplo acima são duas) que, por sua vez, podem ser dividida em premissas e conclusões. Entretanto, a maneira como essas partes se relacionam são distintas nos dois tipos de argumentos (dedutivo ou não dedutivo). Nesse momento focaremos algumas características dos argumentos dedutivos, muito embora nem todas sejam necessariamente exclusivas de um tipo ou de outro.
Costuma-se nomear de proposição a(s) sentença(s) que descrevem o conteúdo de uma asserção. Embora a natureza desses termos ainda seja campo de controvérsia entre filósofos, tem sido aceitas algumas características gerais que são atribuíveis as proposições. Nesse sentido, as proposições podem ou ser verdadeiras ou ser falsas. Depois de considerado esses aspectos gerais, torna-se oportuno definir argumento dedutivo como aquele no qual a conclusão decorre necessariamente das premissas [1,2].
De maneira geral, os argumentos podem ser estruturados de várias formas. Podem conter uma premissa e apenas uma conclusão; duas premissas e apenas uma conclusão; uma premissa e duas conclusões distintas; uma premissa e uma conclusão, sendo que essa última é a premissa de outra conclusão, etc. No que tange ao reconhecimento de argumento dedutivamente válidos, apenas uma relação entre premissas e conclusões não é aceita: aquela na qual todas as premissas são verdadeiras mas a conclusão é falsa. Todas as demais combinações entre premissas e conclusões são compatíveis com o fato do argumento preservar necessariamente a verdade. Tomemos o exemplo seguinte:

O mundo exterior existe. (1)
O mundo exterior não existe (2)
Logo, Deus existe. (3)

No argumento acima, não é possível atribuir a verdade simultaneamente às duas premissas. Justamente por isso, segue-se que não poderá as premissas serem verdadeiras (1 e 2) e a conclusão falsa (3). Essa observação inclui uma das possibilidades entre premissas e conclusão de tal forma que torna o argumento válido. Outro clássico exemplo de argumento dedutivamente válido é o que segue:
 Todos os humanos são mortais.

Sócrates é humano.
Logo, Sócrates é mortal.

 Nesse exemplo, as duas premissas são verdadeiras. Mas não há necessidade elas sejam verdadeiras. É possível que todas ou apenas uma das premissas seja falsa e ainda assim o argumento possa ser dedutivamente válido, como no exemplo que segue:

 Todos os misóginos são ingleses. (1)
Alguns misóginos se casam. (2)
Logo, alguns ingleses são casados. (3)

No argumento acima as premissas acarretam necessariamente a conclusão (3), muito embora a premissa (1) seja falsa. Portanto, é necessário ressaltar que a condição de validade nos argumentos dedutivos faz alusão apenas a uma relação entre os possíveis valores de verdade das asserções. Nesse sentido, um típico exemplo de argumento dedutivamente inválido é:

Todos os mamíferos possuem asas. (1)
Todas as baleias têm asas. (2)
Portanto, todas as baleias são mamíferos. (3)

 A conclusão (3) é verdadeira, enquanto que as premissas (1, 2) são falsas. Mesmo se as baleias e os mamíferos realmente tivessem asas, ainda assim seria possível existir criaturas com asas além dos mamíferos; sendo assim, supondo que todos os mamíferos possuem asas isso não implica que tudo que tivesse asa seria mamífero. Portanto, o que viola a conservação de verdade é que as duas premissas poderiam ser ambas verdadeiras e a conclusão falsa. Em outras palavras, o que determina a invalidade não é a falsidade das premissas, mas sim o fato que a conclusão não decorre necessariamente das mesmas.
Embora os argumentos dedutivos sejam de grande mérito para a busca individual e compartilhada de crenças, é um recurso no qual estão contidas algumas questões mais profundas, do tipo: O que são asserções? Seriam elas entidades linguísticas ou mentais? O que é a forma lógica e como determiná-las em argumento? Em um contexto mais amplo, afirmar que a única forma legítima de argumentação é aquela na qual a conclusão decorre necessariamente das premissas seria uma presunção na qual a lógica dedutiva não é capaz de garantir.
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Referências
[1] Copi, Irving M; Cohen, Carl. Introduction to Logic. Macmillan Publishing Company, 1990.
[2] Murcho, D. O Lugar da Lógica na Filosofia. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2003
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