terça-feira, 3 de junho de 2014

É provável a existência e eventual visita de vida extraterrestre inteligente antropomórfica?

                Texto também publicado no blog da Liga Humanista Secular do Brasil - Bule Voador
Um cenário de extraterrestres (não humanoides) em um ritual de droga recreativa. Fonte: http://www.alexries.com/Galpages/c-smoking.htm

Nos últimos anos, o número de exoplanetas (planetas fora do sistema solar) descobertos têm aumentado progressivamente. Independente disso, o imaginário sobre a possibilidade de vida extraterrestre data de um tempo mais antigo do que a primeira descoberta de um exoplaneta no início da década de 90. Embora muitas alegações extraordinárias e implausíveis envolvam o tema, alguma coisa parece certa: até o momento não existe nenhum relato confiável que demonstre algum contato extraterrestre. Assim, uma interessante pergunta pode ser colocada: É provável a existência e eventual visita de vida extraterrestre inteligente antropomórfica?

É verdade que a pergunta pode induzir um mal entendido. Assim, resolvemos isso com a seguinte afirmação: Para que uma visita de seres extraterrestres antropomórficos ocorra, é uma condição necessária a existência dos mesmos. Dessa forma, no primeiro momento, tentarei mostrar razões em defesa da improbabilidade da existência, e, em seguida, faremos o seguinte exercício: mesmo considerando que existam, é provável a visita?

Pensemos um pouco na nossa história: A primeira explosão de vida animal na Terra ocorreu há aproximadamente 540 milhões de anos atrás — a chamada explosão cambriana. Desde então, pelo menos duas grandes extinções em massa aconteceram por aqui: A extinção do Permiano-Triássico (251 milhões de anos atrás), considerada a mais severa, levando a extinção de mais de 90% das espécies marinhas e 70% das espécies sobre continentes; e a mais conhecida (embora não a mais severa) extinção de Cretáceo-Terciário (há 65 milhões de anos atrás), que vitimou, entres outros, os dinossauros.

Foi somente após esses dois eventos que ocorreu a explosão de diversidade dos mamíferos placentários. Em outras palavras, não parece ser absurdo alegar que a o aparecimento da espécie humana se deu, muito provavelmente, devido (mas não apenas) a extinção de outras espécies na qual a coexistência tornaria difícil a nossa existência (dinossauros carnívoros gigantescos, por exemplo). Disso não se segue que não existiam mamíferos antes da existência dos dinossauros, o Castorocauda é um exemplo. Por outro lado, considerando os seres antropomórficos, e todo o tempo desde a formação do planeta, sua trajetória evolutiva foi bem mais lenta. De fato, lembremos do célebre calendário cósmico saganiano ao nos recordar que o aparecimento dos primeiros humanos só teria ocorrido em algo em torno de 22:30 de 31 de Dezembro (nesse calendário, o 1° de Janeiro marca o Big Bang). Somos muito recente no cosmos, também diria Sagan.

O estado atual da biologia aponta: O planeta Terra possui 8,7 milhões de espécies, número do qual nós representamos apenas uma unidade nessa miríade de vida; a estimativa atual do número de bactérias chega a 5 milhões de trilhões de trilhões (5 seguidos de 30 zeros). Além disso, registros fósseis apontam para a existência de bactérias há pelo menos 3,6 bilhões de anos, sendo que a célula eucariótica só deve ter surgido há cerca de 1,8 bilhões de anos (a Terra tem idade de 4,5 bilhões de anos). Dizer que o planeta é das bactérias não é uma metáfora tão exagerada.

Como comentado por PZ Myers, diferentes soluções evolutivas podem ser encontradas para problemas adaptativos; ou seja, não parece razoável esperar que adaptações complexas e especializadas encontre caminhos evolutivos universais. Os biólogos estão dispostos a admitir que complexidade não é uma marcha unidirecional ao que é mais complexo ou ao que é mais parecido ao ser humano. Em outras palavras, imaginar o bipedalismo como aparência provável de seres extraterrestres inteligentes parece um pouco da falta de bom senso frente a originalidade e diversidade de exemplares dos organismos vivos.
Extra 1Essas foram algumas razões para objetar a tese da existência de organismos antropomórficos no Universo. Que basicamente possuem o mesmo esqueleto argumentativo: a improbabilidade desse tipo de morfologia tendo em vista o modelo (número e formato) dos organismos na Terra. É verdade que essa argumentação falha ao se basear nos organismos somente do planeta Terra. Mas é uma limitação, por enquanto, justa, uma vez que não conhecemos outros locais com vida. De qualquer forma, se recebermos alguma visita de civilização extraterrestre, parece provável que não o reconheceremos como seres cinzentos baixinhos, bípedes e com olhos escuros.
Outras objeções (algumas das quais englobam a questão da visita considerando que seres antropomórficos existam) são possíveis: i) a não existência de evidências de seres antropomórficos não-terráqueos (apesar do delírio coletivo de alguns que sugerem a existência de abduções); ii) a história evolutiva sugere a possibilidade de uma infinidade de morfologias distintas; iii) a necessidade de pressupor alguma convergência cósmica de seres antropomórficos não-terráqueos, algo bastante problemático tendo em vista a possibilidade de caminhos evolutivos distintos em condições atmosféricas diferentes, iv) mesmo que seres antropomórficos existam em outros lugares no cosmos, não se segue disso que eles sejam capazes de desenvolver tecnologia suficiente capaz de realizar viagens interestelares e v) mesmo que seres antropomórficos inteligentes (do ponto de vista tecnológico) existam em outros lugares no cosmos, é necessário que o tempo de existência deles seja suficiente de não extingui-los (por alguma extinção em massa natural ou artificial) antes que desenvolvam tecnologia capaz de viagens cósmicas. Por fim, outra objeção curiosa é a que segue: vi) mesmo que as condições de v) sejam satisfeitas, esses seres devem saber da existência do planeta Terra – uma dificuldade real tendo em vista a imensidão do universo. Naturalmente, sobretudo iv), iv) e vi) pressupõem que esses seres detêm vontade de investigar novos planetas – ou seja, que esse desejo não seja algo intrínseco ao processo cognitivo humano somente (de fato, o desejo de conhecer e explorar novos mundos nem é compartilhado por todos os humanos – alguns são totalmente desinteressados por esses assuntos).

Sobre i), mais uma observação: A tese que defende a existência de vida extraterrestre antropomórfica suficientemente avançada – do ponto de vista tecnológico -, ao ponto de ser capaz de realizar viagens interestelares, tem falhado em mostrar qualquer evidência razoavelmente aceitável em favor suas proposições. Em outras palavras, o paradoxo de Fermi ainda não foi resolvido. Aliás, a tese do Grande Filtro defende que há alguma(s) etapa(s) durante o processo de evolução dos organismos que torne a vida inteligente improvável ou, no caso de existir, tendenciosa a auto-destruição.

Uma vez que esse assunto muitas vezes causam mais paixão do que razão, de antemão prevejo acusações. Não estou alegando que: i) a origem da vida (seja o lá o que venha a ser “vida”) é um fenômeno raro no universo; ii) vida extraterrestre não existe; iii) vida extraterrestre inteligente é muito improvável e iv) a emergência de vida complexa multicelular é uma combinação improvável de eventos e circunstâncias astrofísicas e geológicas (o que me afasta um pouco da adesão da Hipótese da Terra Rara).

Considerando o estado atual sobre astrobiologia, não parece exagero a seguinte afirmação: vida extraterrestre, não necessariamente antropomórfica, detentora de curiosidade e tecnologia suficiente para perscrutar novos planetas, se existem, são em número tão baixos que nenhum contato físico parece provável em alguma escala temporal menor do que o tempo que nos resta antes da morte de nossa estrela. É uma visão pessimista, reconheço. Espero que essa tese esteja errada.

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